RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar que, com a evolução e aumento de movimentos sociais, houve nas últimas décadas conquistas diretas à liberdade sexual. As relações sexuais passaram a ser realizadas como uma forma de prazer humano e não mais com o objetivo de reprodução. De certo, estas relações passam por diversas fases de consentimento, dentre elas, como forma de proteção, o consentimento para o uso de preservativos com a finalidade de que seja evitada a transmissão de doenças infecto contagiantes sexualmente transmissíveis, ou até mesmo uma gravidez indesejada. No entanto, essa evolução trouxe contendas, antes não observadas, como o chamado stealthing, prática sexual realizada quando um dos parceiros retira o preservativo no momento da relação sexual sem que haja o conhecimento da parceira ou parceiro, de forma que esta ou este tome conhecimento apenas após o fim do coito. O stealthing é visto por especialistas como uma forma de violação sexual.
Palavras-chave: preservativo, stealthing, permissão, aborto, HIV
ABSTRACT: This article aims to demonstrate that, whit the evolution and increase of social movements, there have been direct conquests to sexual freedom in the last decades. Sexual relations started to be performed as a form of human pleasure and no longer with the objective of reproduction. Certainly, these relationships go through several stages of consent, among them, as a form of protection, consent to the use of condoms in order to prevent the transmission of sexually transmitted infectious diseases, or even an unwanted pregnancy. However, this evolution brought strife, previously nor observed, as the so-calles stealthing, sexual practice performed when one of the partners withdraws the condom at the moment of sexual intercourse without the knowledge of the partner, so that this or this partner take knowledge only after coitus ends. Stealthing is seen by expert as a kind of sexual violation.
SUMÁRIO: Introdução - 2. Formas de Stealthing - 3. Quais violações estão presentes no stealthing - 4. Stealthing e suas consequências – 4.1. Dos danos causados à vítima – 4.1.1. Danos materiais – 4.1.2. Danos emocionais – 4.1.3. Danos físicos – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
Stealthing vem da língua inglesa e seu significado no Brasil é furtivo. Trata-se de uma conduta que consiste na retirada do preservativo, durante o ato sexual, sem a autorização da parceira ou parceiro, dando prosseguimento ao ato, independentemente de concordância do outro.
Na falta de tipificação própria, deve-se utilizar a analogia do art. 215 do Código Penal, tipificando como violação sexual mediante fraude. No caso do stealthing, o autor do crime conduz a vítima a acreditar que está praticando um ato sexual seguro, mas de uma forma camuflada, retira o preservativo e passa a praticar o ato em dissonância da vontade da vítima e dificultando a manifestação de vontade desta, fazendo com que a capacidade de consentimento da mulher seja diminuída.[1] O delito de violação sexual mediante fraude também é conhecido pela doutrina como estelionato sexual.
Nesse sentido o art. 215 do Código Penal, Decreto Lei nº 2.848/40, dispõe:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).[2]
É importante ressaltar, que, em muitos casos, o agente para conseguir seu intento utiliza de violência, dando prosseguimento ao ato. Ainda que a relação sexual seja consentida, a partir do momento em que existe a falta de consentimento no ato da retirada do preservativo, a conduta passa a ser idêntica ao crime de estupro. Na falta de tipificação própria, deve ser utilizada a inteligência do artigo 213 do Código Penal que tipifica como estupro o ato sexual sem consentimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça.
Nesse sentido, o art. 213 do Código Penal, Decreto Lei nº 2.848/40, dispõe:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.[3]
2.Formas de Stealthing
Nota-se, que, nas duas formas de stealthing, o ato sexual é permitido, entretanto, com a retirada do preservativo em meio ao ato sexual, sem a ciência do parceiro, estará presente o vício de consentimento, visto que, se a vítima tivesse conhecimento do ato, não teria consentido a prática sexual. Portanto, quando uma dessas partes quebra o acordo previamente estabelecido, caracteriza-se o delito de conjunção carnal mediante fraude[4]
Nesse sentido, segundo Sanches.[5]
“entre os estudiosos o fato pode ser etiquetado como estupro, havendo uma condenação nesse sentido na Suíça. O fundamento para essa decisão foi a condicionalidade do consentimento, ou seja, a vítima que estava praticando a relação sexual só havia consentido com a condição de que o preservativo fosse usado. A retirada do preservativo durante o ato sexual sem que a outra pessoa percebesse caracterizou um vício de consentimento que tornou criminoso um ato sexual até então diferente em termos criminais.”
3.Quais as violações estão presentes do stealthing
A violação mais comum é a quebra de confiança, confiança esta que foi depositada no parceiro sexual, agente do delito;
Violação ao corpo, à intimidade da vítima;
Violação ao consentimento
Violação ao gênero, tendo em vista que a maioria dos casos ocorre com as mulheres.
4.Stealthing e suas consequências
São inúmeras as consequências da prática do stealthing e danos à pessoa que foi vítima do ato.
As vítimas da conduta ilegítima de seu parceiro podem se expor a vários riscos, como, por exemplo, adquirir uma doença venérea (DST). Neste caso, o dano pode ser ainda maior do que os demais, tendo em vista que algumas DSTs levam à infertilidade da mulher, e outras até a morte, como acontece com a transmissão do vírus HIV. Desta forma, para o agente do dano o crime deverá ser tipificado como crime hediondo. Aquele que, sendo possuidor do conhecimento de que é portador da doença e ainda assim pratica o stealthing, age com dolo.
É importante ressaltar, que, se a retirada do preservativo tiver sido realizada com a intenção de transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis, deverá ser afastada a tipificação do delito de violação sexual mediante fraude e restará demonstrado o delito de perigo de contágio venéreo, ainda que a vítima tenha conhecimento da Infecção do parceiro, em nome do princípio da especialidade.
Mediante isso, é de bom tom lembrar ainda que, conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça, não poderá se caracterizar o delito caso a transmissão tenha sido do Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV, visto que, neste caso, deverá ser caracterizado o então delito de lesão corporal grave.[6]
Ademais, no âmbito do Direito Civil, o STJ, no Informativo 647 de 2019, entendeu o ato como ensejador de responsabilidade civil do companheiro, que, com seu comportamento, assume o risco de transmissão do vírus HIV.
Nessa esteira, aduz o informativo:
Informativo 647 de 2019
DIREITO CIVIL
RESPONSABILIDADE CIVIL
O companheiro que, com seu comportamento, assume o risco de transmissão do vírus HIV à parceira, deve pagar indenização pelos danos morais e materiais a ela causados.[7]
Além do HIV, são inúmeras DSTs que podem incorrer a vítima em infortúnio, desconforto, despesas com medicamentos, médicos e hospitais.
Há de se esclarecer que se trata de um problema de saúde pública provocado por um agente com conduta reprovável pela sociedade.
Outro exemplo para apresentar é a gravidez indesejada, ensejando em despesas jurídicas, médicas, hospitalares e inúmeras consequências psicológicas para a mulher vítima do stealthing.
Para tanto, há necessidade de tipificação penal de forma clara quanto à prática do stealthing, como forma de resguardar as pessoas violadas e punir o agente.
4.1 Dos Danos causados à vítima
Os danos podem ser classificados como danos materiais, danos emocionais, danos físicos e estéticos. Há de se demonstrar, na determinada tipificação do delito, meios de compensação, e principalmente oportunizar a vítima a ser ouvida com respeito.
4.1.1 Danos materiais
Imagina-se a situação de que o agente, sem autorização da vítima, pratique o stealthing durante o ato sexual, dando prosseguimento ao coito, e esta, do sexo feminino, venha a engravidar em consequência do ato do agente.
A mulher terá que arcar, no mínimo, com despesas jurídicas para autorização do abortamento, com argumento e comprovação, informando que o objeto da lide é a não autorização de retirada de preservativo durante o ato sexual. Cabe ressaltar que a situação em si é, no mínimo, constrangedora, violando a intimidade da mulher.
Pode-se falar também em despesas médicas e hospitalares para realização do abortamento.
Em caso de não permissão para o abortamento, a mulher terá que arcar pelo resto da vida da criança, até se tornar adulta, com despesas como alimentação, educação, vestimenta e tudo que envolve uma criação digna de uma pessoa. Além disso, arcará também com os danos indiretos, como perda de oportunidades de emprego, restrição à vida social por ter que cumprir os deveres de mãe, restrição a relacionamentos amorosos, dentre inúmeros danos causados pela responsabilidade adquirida sem vontade própria.
Cabe ressaltar que, nos ditames da lei brasileira, o aborto é crime, concluindo-se, então, que a mulher só poderia praticar tal ato, sem incorrer em crime, com a comprovação de que a gravidez decorreu de um ato de stealthing e mediante sentença transitada em julgado, sendo considerado como aborto necessário, de acordo com o art. 127 do CP, para que o profissional de saúde, médico, fique resguardado e não incorra em crime.
Fica demonstrada a dificuldade de tal comprovação, colocando a mulher em situação de vulnerabilidade, inferiorizando-a mais uma vez diante de uma sociedade machista e misógina.
Recentemente, o TJ-DFT proferiu uma sentença autorizando uma mulher, vítima de stealthing, a praticar o abortamento.
Nesse sentido:
“A 7ª Turma Cível do tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios, por unanimidade, manteve decisão proferida na 1ª instância e julgou procedente o pedido para determinar que o DF submeta a autora ao procedimento de aborto seguro, em razão de gravidez resultante de abuso sexual.
A autora conta que em razão de ter engravidado, após ter sido vítima de estupro, requereu ao DF a realização de procedimento de aborto. Narrou que a relação sexual foi iniciada com uso de preservativo, porém durante o ato, o parceiro retirou o preservativo sem o seu consentimento (prática conhecida como “stealthing” ), obrigando-a a dar continuidade ao ato sexual. Todavia, o DF negou seu pedido...
Em 2ª instância, os desembargadores esclareceram que é dever do Estado prestar assistência integral à mulher em situação de gravidez decorrente de relação sexual involuntária, seja por violência sexual ou coerção nas relações sexuais. Explicaram que o aborto decorrente de crime é um exercício de direito, que independe da condenação do criminoso, basta que a vítima apresente o registro policial ao médico.”[8]
4.1.2 Danos emocionais
Não é difícil constatar um dano emocional depois de se sofrer tal violência, o medo das diversas consequências, dentre elas a de adquirir uma doença sexualmente transmissível ou uma gravidez indesejada, já é o bastante para abalar o emocional de qualquer pessoa. A depressão e a síndrome do pânico podem certamente ser desenvolvidas diante do enfrentamento de tal situação, sem falar em apontamentos da sociedade e julgamentos maldosos e a vulnerabilidade da pessoa no enfrentamento da questão referida.
4.1.3 Danos físicos
Em caso de a vítima do stealthing adquirir uma DST, não é difícil de imaginar os danos físicos causados. A DST mais temida é o HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana, que assombra a população sexualmente ativa e sem parceiro definido.
É sabido que tal doença ainda não tem cura e que as consequências são gravíssimas, podendo levar à morte.
5.CONCLUSÃO
O stealthing é uma prática repugnante, o ato traz consigo a nítida vulnerabilidade feminina, ou do sujeito passivo que está na relação, vítima do ato.
Faz-se necessário o conhecimento dos operadores do direito no que tange ao problema em pauta, para que seja dada a devida importância às violações causadas pelo steathing, e consequentemente buscar as punições mais adequadas.
Fica demonstrado que o stealthing é um problema sócio-comportamental e deve ser restringido com maior rigidez.
Cabe ressaltar que muito se tem a discutir sobre o assunto, para que se conduza esta contenda a uma direção resolutiva e eficaz, sem que seja necessário utilizar de analogia de determinados artigos do diploma penal, como fora citado no início deste trabalho.
Sendo assim, é de nítida importância trazer a discussão do tema em questão, para que se oportunize aos legisladores a inserção de uma nova tipificação penal, uma solução adequada à necessidade social.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Stealthing. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/stealthing> Acesso em: 18 dez. 2020.
BRASIL. Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm > acesso em:19 dez.2020.
MUNIZ, Lamanda Marques. Sealthing e a Adequação ao Direito Penal Brasileiro. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/stealthing-e-a-adequacao-ao-direito-penal-brasileiro/ > Acesso em: 17 dez. 2020.
SANCHES, Rogerio Disponível em: < https://es-la.facebook.com/RogerioSanchesC/posts/1323003941111103> acesso em 19. Dez de 2020.
BRASIL. Dizer o Direito. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2019/07/informativo-comentado-647-stj.html > Acesso em 18 Dez. 2020.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/dezembro/tjdft-confirma-que-df-proceda-aborto-seguro-em-vitima-de-violencia-sexual-201cstealthing201d> Acesso em 19 Dez. 2020
[1] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Stealthing. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/stealthing> Acesso em: 18 dez. 2020.
[2] BRASIL. Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm > acesso em:19 dez.2020.
[3] Ibid.
[4] MUNIZ, Lamanda Marques. Sealthing e a Adequação ao Direito Penal Brasileiro. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/stealthing-e-a-adequacao-ao-direito-penal-brasileiro/ > Acesso em: 17 dez. 2020.
[5] SANCHES, Rogerio Disponível em : < https://es-la.facebook.com/RogerioSanchesC/posts/1323003941111103> acesso em 19. Dez de 2020.
[6] Ibid, nota 4.
[7] BRASIL. Dizer o Direito. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2019/07/informativo-comentado-647-stj.html > Acesso em 18 Dez. 2020.
[8] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/dezembro/tjdft-confirma-que-df-proceda-aborto-seguro-em-vitima-de-violencia-sexual-201cstealthing201d> Acesso em 19 Dez. 2020
Advogada e Economista. Pós-Graduação em Docência Superior em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Graduada em Direito Pela UNESA. Graduada em Economia pela Faculdade de Economia e Finanças do Rio de Janeiro
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MITRE, JAQUELINA LEITE DA SILVA. Stealthing deve ser considerado como crime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2021, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /56189/stealthing-deve-ser-considerado-como-crime. Acesso em: 27 dez 2024.
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